quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A prática acontece em Cruzeiro do Sul, no Acre, apesar da proibição do Ministério da Saúde.

CRUZEIRO DO SUL, AC – Em 2005, o Ministério da Saúde suspendeu e condenou o uso de seres humanos em pesquisas de combate ao mosquito da malária no Amapá. Mesmo com a proibição, a prática continua. Desta vez, o Acre é o lugar escolhido para as experiências. E o caso já chegou ao Ministério Público local.
 
Cruzeiro do Sul, lugar do Acre de maior incidência de malária, foi a cidade escolhida para os ensaios com as cobaias humanas. Pelo menos seis agentes de endemias contratados pelo governo participam das experiências. São obrigadas a receber um mínimo de 300 picadas por dia no corpo. Por meio dessa prática é possível identificar quais os tipos de mosquitos transmissor da malária predominam na região.
 
Além de usar os agentes como cobaias, o governo do Acre usa os números da malária no Juruá para conseguir mais dinheiro do governo federal. “No bairro do Alumínio, por exemplo, não existem tantos casos de malária. Mas, às vezes, pegávamos relatórios com até 15 ou mais casos de doença no bairro”, denuncia Jamisson Rodrigues. O agente é um dos muitos agentes usados como cobaia humana no interior acreano. Em alguns locais, as lâminas usadas na coleta de sangue são lavadas e reaproveitadas por falta de material. 
 
Dos nove estados da Amazônia Legal, o Acre – onde o governo local diz ter saúde de primeiro mundo – foi onde a doença mais cresceu entre 2004 e 2005. Atingiu 53.551 pessoas, um crescimento de 86%. O número corresponde a 9% do total de casos da região. A variação entre 2001 e 2005 atingiu a assustadora cifra de 688%. Relatório do Ministério da Saúde mostra ainda que, em 2005, quatro dos 22 municípios do Acre contribuíram com 80% dos casos na região amazônica. Nas cidades de Tarauacá, Acrelândia e Posto Walter a incidência foi considerada altíssima. Registrou-se 50 casos por mil habitantes. 
 
Fiz por dinheiro 
 
Marcílio da Silva Ferreira foi contratado pelo governo do Acre em 2003. Sua função: auxiliar de entomologia (parte da Zoologia que trata dos insetos; insetologia). A tarefa de Ferreira era, portanto, estudar os tipos de mosquitos responsáveis pela transmissão da malária no Vale do Juruá. Para atingir seu objetivo, Marcílio Ferreira tinha que se submeter a um sacrifício. Era obrigado a ficar entre 6 e 12 horas com o corpo nu e exposto às picadas dos insetos. Ele ficava em exposição nos locais de maior foco e nos horários de pico dos ataques dos mosquitos. 
 
De origem humilde, Marcílio diz que aceitou ser cobaia da malária por dinheiro. “Peguei 12 malárias, fiquei fraco e pedi para ser transferido de setor; não agüentava mais trabalhar para adoecer”, conta ele. Marcílio Ferreira conta que foram muitas madrugadas, noites de frio que fiquei com as pernas expostas aos mosquitos. “Fiz, infelizmente, porque precisava do dinheiro”, lamenta-se Ferreira, abatido em conseqüência das várias malárias que contraiu. 
 
Outro usado como cobaia humana foi Jamisson Rodrigues. A exemplo de seu colega Marcílio, Jamisson também adoeceu de tanto ficar exposto às picadas dos insetos. Adoeceu três vezes. “Cada mosquito que picava minha pele trazia o vírus da malária, não tinha como evitar”, lamenta-se. Depois das picadas, conta ele, os mosquitos eram recolhidos e levados para serem pesquisados em laboratórios.  
 
Demissão imediata 
 
O caso das cobaias humanas chegou às rádios locais. Após os casos se tornarem públicos, o governo do Acre agiu na tentativa desviar a atenção. Três funcionários foram demitidos e outros nove afastados das funções sem qualquer explicação. Mas, ao que tudo indica, a denúncia será apurada. 
 
O defensor público Jonathan Xavier ingressou na Justiça com uma ação de reintegração imediata dos servidores. Ele também prometeu investigar as denúncias de que os agentes eram usados como cobaias humanas na identificação de espécies de mosquitos transmissores da malária em Cruzeiro do Sul. 
 
Temendo represálias, os agentes de endemias decidiram formar uma associação. “É crime o que estão fazendo com os servidores,” denuncia o presidente Carlos Sérgio de Oliveira. “As pessoas não podem ser usadas para pesquisar doenças como se fossem ratos de laboratório,” lembra. Oliveira levou o caso ao Ministério Público do Acre e reinvidica do governo estadual o reconhecimento da profissão de agente de endemias. 
 
Lâminas reaproveitadas 
 
Os agentes não denunciam apenas o fato de serem usados como cobaias humanas da malária. Muitos deles, hoje com graves problemas respiratórios, contam que foram obrigados a trabalhar – com a aplicação de inseticidas e outros produtos químicos nas residências e comunidades do Juruá – sem equipamentos adequados e máscaras. 
 
E o mais grave: as lâminas usadas para colher sangue dos doentes de malária são lavadas e reaproveitadas. Além de proibido, o procedimento pode trazer a contaminação por outras doenças, entre as quais a hepatite e a Aids. A gerente de endemias de Cruzeiro do Sul, Simone Daniel da Silva, tem outra versão. 
 
Segundo ela, os procedimentos utilizados no combate à malária são regulamentados em protocolos firmados com o governo federal. Mas nem confirma nem negou o reaproveitamento das lâminas. Simone Silva nega demissões no setor e diz que não houve o uso de cobaias humanas no combate à malária do Juruá. Para ela, as informações dos agentes seriam inverídicas. 

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